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O ÓCIO CRIATIVO

HÉLIO SASSEN PAZ

Caros colegas,

Inicio 2004 desejando apenas três coisas para todos: SAÚDE, FELICIDADE e JUÍZO! ;)

Por que isso? Porque quaisquer planos, desejos ou aspirações em geral - materiais ou espirituais - poderão ser atingidos com maior probabilidade de sucesso a partir desse mantra engenhosamente criado por meu pai João Edson Menezes Paz há vários anos. Há pouco mais de um ano de seu falecimento, entre tantas coisas boas que ele me ensinou, acho que essa foi a mais valiosa.

Serve para momentos de insegurança, de dor, de incerteza e como um desejo sincero em aniversários, dia dos pais, das mães, dos namorados, Natal, ano novo etc. ;)

Feita a saudação, inicia-se agora a coluna DESIGN em 2004! ;)

Muitos de nós, até mesmo antes de termos ingressado na faculdade de Desenho Industrial, Publicidade e Propaganda, Artes Plásticas ou Arquitetura, ou mesmo optando pelo autodidatismo, já criávamos e planejávamos diversos artefatos em duas ou em três dimensões experimentalmente.

Mais adiante, aprendemos a duras penas os conceitos de capital e trabalho. Também sofremos para descobrirmos que pouca gente realmente se importa com a pessoa do lado - tão próxima e tão cheia de problemas e de sonhos como nós - graças ao capital e ao trabalho, pressupostamente tão concorrentes e tão individualistas como nós.

Que tal então planejarmos um estilo de vida que nos tornará melhores designers, melhores alunos, melhores professores, melhores mães (ou pais), melhores filhas (ou filhos)?

O sociólogo italiano Domenico De Masi escreveu quatro livros fundamentais para que pensemos muito sobre o mercado e a sociedade em que vivemos, analisando se essa relação, com todas as suas benesses consumistas, é positiva ou não para a nossa qualidade de vida.

Ainda não li A Emoção e a Regra, porém já li O Futuro do Trabalho e O Ócio Criativo, que creio ser o mais importante deles. Há, ainda, o novíssimo Criatividade e Grupos Criativos, que é delicioso e bastante histórico.

De Masi fala que o homem, em sua luta atávica contra seus maiores inimigos (a fome, a sede, o cansaço, a dor, a segurança e a auto-realização), chegou em uma etapa evolutiva onde obter e transmitir informação vale muito mais do que queimar energia em atividades contraproducentes e braçais. Todas as atividades mecânicas e matemáticas podem ser facilmente substituídas pelas máquinas. Além disso, atualmente, quem detém o poder da informação e do capital não os distribui à medida que os acumula. Daí surgem o desemprego, a fome e n pretextos para guerras.

Estamos, portanto, nos encaminhando para um mundo do não-trabalho. Mas, antes que vocês possam se assustar com essa idéia, as pessoas não serão preguiçosas ou vagabundas: simplesmente teremos mais espaço para a introspecção (pensar consigo mesmo enriquece mental e espiritualmente e muitas vezes não temos tempo para isso); para a família (o teletrabalho nos permitirá - ou já permite - trabalharmos em casa, passando mais tempo acompanhando o crescimento dos filhos e passando mais tempo com a pessoa amada); para os amigos (mais horas livres para churrascos, passeios, esporte, viagens).

Tudo isso trabalhando em horários bem mais flexíveis e procurando não mais ter, mas, principalmente SER.

Cada profissional será mais cobrado e a concorrência será igualmente feroz. No entanto, salvo raras exceções, o trabalho intelectual poderá ser praticado a qualquer hora e em qualquer lugar. O importante é definir prazos não para daqui a muitos dias nem para daqui a poucas horas, mas para alguns dias, sempre que possível. Dessa forma, cada um fará o seu próprio ritmo.

De Masi diz que tão logo o trabalho, o estudo e o jogo estejam tão integrados que o homem não possa mais diferenciá-los, finalmente estaremos diante da síntese exultante que o sociólogo chama de ócio criativo.

Se as empresas e indústrias que ainda dependem de uma certa quantidade de trabalho humano impuserem turnos de trabalho de 5h/dia quatro vezes por semana, sendo que elas produzam 24h e que os períodos de folga de toda a economia seja igualmente dividida entre todos os dias da semana ao invés de predominantemente no sábado e no domingo, todas as pessoas terão tempo para se exercitarem, para assistirem a um bom filme, a uma boa peça de teatro, a um bom conserto musical, saírem para dançar, para comer fora, viajar com maior freqüência... O desemprego e a insatisfação com o trabalho serão muito menores dessa forma.

...Tudo isso não como mero descanso ou como maneira de desopilar do trabalho mas, sim, para adquirir mais cultura, mais conhecimento e mais liberdade de ação. Tudo isso ajuda a trabalhar mais, aglutinando criatividade e referências ao repertório do indivíduo.

Infelizmente, estamos ainda condicionados à realidade imposta pela Revolução Industrial, onde casa é casa, trabalho é trabalho, de forma que o trabalho, ao invés de ser algo gratificante e prazeroso, torna-se um fardo - o ócio é visto como pecado ou como vagabundagem e que os ricos são os virtuosos porque dão emprego e geram riqueza e os pobres devem resignar-se com aquilo que Deus lhes destinou. O capitalismo industrial e a igreja católica impuseram esses mitos como se fossem verdades, fazendo com que as pessoas aceitem submeter-se a trabalhos como os de estivador, ascensorista, faxineiro ou coveiro.

Outra distorção é um executivo achar-se mais importante ou mais trabalhador porque passa mais horas no escritório. Essa foi mais uma invenção do dono da empresa que, por ter que segurar um rojão enorme, prefere ter companhia a sentir-se solitário na empresa. Da mesma forma, quem garante que trabalhar mais tempo, perdendo o convívio com quem se gosta ou deixando de se divertir garante velhice tranqüila? Será que, estressando-se dessa forma, haverá velhice para colher os frutos do sacrifício de uma juventude perdida? Afinal de contas, mesmo precisando ser previdente e precisando acumular dinheiro para poder dar-se um certo conforto, a vida na terra é uma só.

Depois de tanta sociologia, o que resta ao nosso trabalho direto?

Cooperativas de designers e programadores, onde cada um ganha sua parte e reinveste no negócio. Cada um procura adquirir mais conhecimento no seu tempo livre ao invés de tornar-se um técnico bitolado. Ninguém é empregado de ninguém. Todos podem trabalhar onde bem entenderem, desde que mantenham contato permanente e sejam responsáveis pela parte que lhes couber.

Seremos mais saudáveis e gostaremos muito mais de viver! :)

Infelizmente, toda mudança cultural é muito lenta. Talvez nós não tenhamos muitas condições de usufruir do ócio criativo, mas nossos filhos e netos, sim. Só que, para chegarmos lá, alguém tem que começar.

Por que não começamos nós mesmos?

HÉLIO SASSEN PAZ
Professor de Comunicação Visual, Direção de Arte, Arte-Final e Criatividade e Palestrante sobre Criatividade

Coluna Design de 15/01/2004

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