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COMUNHÃO

RENATO FRIGO

Tinha havido prenúncios. Em abril de 2131, a tecnologia havia ligado o mundo inteiro dentro de um só contexto, o planeta estava unido em uma só nação - a Terra. Ela era administrada por um grupo de doze homens, eleitos pelo voto digital, que representavam as diferentes partes do globo - eles eram conhecidos como os Holonautas. As universidades estavam todas ligadas entre si através do ensino remoto, criando um fluxo contínuo e eterno de informações para cada cidadão vivo. Todos tinham acesso à grande rede e a exclusão digital era contada como uma lenda para colocar medo nas crianças.

Com a extinção dos bancos corporativos e das cédulas de papel, o dinheiro se tornou digital e passou a ser armazenado em servidores específicos para esse propósito. Devido ao grande aumento de doenças associadas ao comportamento e à presença humana, o contato sexual entre duas pessoas deveria ser realizado como uma cerimônia com direito a uniforme, preces e até altar. O casamento deixou de existir na mesma década em que o heterossexualismo sumiu da face da Terra e o conceito de família foi repensado e adaptado para algo semelhante ao que a biologia chama de espécie. A humanidade garantia seu contingente através da clonagem e da inseminação artificial. A ecologia perdia a guerra contra o consumo e, mais rápido do que o previsto, a natureza sucumbiu perante os desejos do homem (o último foco de resistência natural da Terra ficava na extinta Amazônia, que passou a ser conhecida como Nova Manaus).

Sem condições naturais para sobrevivência, a maioria dos humanos vivia dentro de condomínios fechados onde recriavam seus próprios universos, interagindo com o resto do mundo através da grande rede - o hábito da presença física estava sendo deixado de lado cada vez mais rápido. Tudo acontecia em torno do intelecto e da informação. O corpo era visto apenas como um compartimento que armazenava a essência do ser humano e essa essência poderia viajar pelas entranhas da grande rede, livre do corpo e integrar uma consciência maior ligada a todas as mentes do planeta como um organismo vivo, pensante e único. Em termos de evolução em trezentos anos a tecnologia fez pela humanidade o que a religião, praticada por 2% da população mundial, não conseguiu fazer em mais de dois mil anos.

Só existia uma coisa que impedia a sociedade da Terra de ser totalmente autônoma. Só faltava uma última barreira a ser vencida para que todos fossem iguais. Essa barreira era a poderosa e onipresente ordem dos grãos mestres Holonautas.

Aqui começa minha confissão.

Estou conectado, logo existo. Tudo que existe no mundo está na grande rede. Pensei nesse detalhe para criar uma ponte direta até o cérebro da maioria da população na intenção de criar em cada ser humano a consciência para o nascimento de uma nova era. Uma era mais igualitária, mais próxima dos sentimentos humanos há tempos esquecidos e modificados, onde não existissem mais diferenças entre controlar e ser controlado, onde o poder de modificação estivesse nas mãos de todos.

Imaginem uma sociedade onde cada cidadão tivesse voz ativa nas escolhas e decisões do dia-a-dia, onde a grande rede pudesse dar para cada pessoa uma forma de se expressar perante os problemas da sociedade. Não precisaríamos de ninguém para nos representar num congresso ou parlamento. Na verdade, não existiriam mais congressos ou parlamentos - a humanidade seria livre para decidir seu futuro como uma grande e única consciência.

Mas como posso convencer as pessoas sendo eu um hacker? Como posso ter credibilidade entre eles se sou visto como um ladrão, um falsificador?
Como um homem pode mudar o curso da história e mostrar aos outros uma nova maneira de ver a vida, se ele é visto como paria da sociedade? Há quatro anos fui preso pelo Conselho Holonauta, acusado de fomentar idéias revolucionárias através da grande rede. Desde então venho pensando em uma forma de mostrar ao mundo o valor de uma sociedade sem políticos, auto-representativa, totalmente consciente dos seus deveres e direitos.

Porém agora, depois de tanto tempo fora da grande rede, me sinto desolado, abandonado por aqueles que acreditavam em mim antes da prisão - sem comunicação o ser humano tende a morrer. Mas ao morrer, um homem pode deixar o seu legado para o futuro.

Meu legado para vocês é um futuro participativo. Por isso, antes de deixar esse corpo, quero deixar um registro da minha vontade. Quero que o mundo todo saiba que a tecnologia vai nos libertar de toda a opressão, todo o medo e toda segmentação social ou racial assim como vai nos permitir resgatar nosso comprometimento e responsabilidade com o planeta e com cada indivíduo existente.

Muitos séculos atrás a humanidade acreditava em entidades conhecidas como oráculos. Os oráculos tinham as respostas para todas as perguntas. Eles podiam ver o passado, o presente e o futuro. A grande rede guarda todos os fatos e acontecimentos dos últimos trezentos anos e informações que explicam a origem de todas as coisas... Todo o nosso passado, presente e futuro estão contidos dentro dos cabos, dos servidores e das pessoas que formam sua estrutura.

Devemos usar a grande rede para ter voz ativa, para mostrar nossos conhecimentos, para unir forças e juntos escolher o melhor caminho a seguir. No exato momento em que ainda escrevo estas palavras, vejo meu algoz entrar na cela com uma arma em punho. Espero que um dia o Conselho Holonauta acabe e que a humanidade implemente a Leutocracia...

Enquanto ele aponta a arma para a minha cabeça eu penso se algum dia alguém vai ler essa mensag

RENATO FRIGO
Publicitário, aprendiz de escritor e torcedor do Corinthians

Coluna Devaneios de 01/02/2006

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